Espero que estejam gostando do curso...
Essa é nossa quarta aula da série “Como realizar uma metanálise: um guia prático passo a passo utilizando o software R e o RStudio”.
Na aula passada, iniciamos com alguns conceitos estatísticos fundamentais. Nesta aula, aprofundaremos um pouco e falaremos de temas fundamentais para "rodar" nossa metanálise: Modelos de efeitos fixos e aleatórios, Heterogeneidade, Teste Q de Cochran e Estatística I².
Em breve, lançaremos mais cursos nessa “pegada”....
Agradeço demais pela interação de todos... e qualquer coisa, estou às ordens...
- Modelos de efeitos fixos e modelos de efeitos aleatórios
Em metanálise existem basicamente dois tipos de modelos que podem ser adotados: o modelo de efeitos fixos e o modelo de efeitos aleatórios2.
O modelo de efeito fixo pressupõe que o efeito de interesse é o mesmo em todos os estudos e que as diferenças observadas entre eles são devidas apenas a erros amostrais, as ditas variabilidade dentro dos estudos. De forma simplificada, é como se os métodos com efeitos fixos considerassem que a variabilidade entre os estudos ocorreu apenas pelo acaso e ignorassem a heterogeneidade entre eles3.
Os modelos de efeitos aleatórios pressupõem que o efeito de interesse não é o mesmo em todos os estudos. Neste sentido, consideram que os estudos que fazem parte da metanálise formam uma amostra aleatória de uma população hipotética de estudos. Contudo, apesar dos efeitos dos estudos não serem considerados iguais eles são conectados através de uma distribuição de probabilidade, geralmente suposta normal. Por este fundamento, criam resultados combinados com maior intervalo de confiança (porém menos precisos), sendo assim os modelos mais recomendados. Contudo e apesar de terem essa vantagem, os métodos com efeitos aleatórios são criticados por atribuírem maior peso a estudos menores3.
Não existe uma regra formal para a escolha do modelo. Geralmente, quando não há diversidade e nem heterogeneidade importantes, os estudos com maior poder estatístico (maior população e maior efeito da intervenção) possuem mais “peso”. Nesse caso, utiliza-se o modelo de efeitos fixos, que pressupõe que todos os estudos apontaram o mesmo efeito: por exemplo, quando o objetivo for estimar um efeito de tratamento para uma população específica e não extrapolar o efeito para outras populações13.
Quando há diversidade e heterogeneidade entre os estudos, é mais recomendado utilizar o modelo de efeitos aleatórios, que distribui o peso de uma maneira mais uniforme, valorizando a contribuição dos estudos pequenos. Por exemplo, quando o pesquisador combina vários estudos que têm o mesmo objetivo, mas que não foram conduzidos da mesma maneira. Neste caso, é possível extrapolar os efeitos para outras populações, o que torna a análise mais abrangente13.
- Heterogeneidade
Em uma metanálise, normalmente precedida de uma revisão sistemática, por mais semelhantes que pareçam os estudos selecionados, eles não são considerados idênticos quanto ao efeito de interesse. Por exemplo, uma metanálise de estudos em que está sendo testada a eficácia de um novo procedimento cirúrgico, pode haver diferença nos grupos de pessoas selecionadas: um grupo pode ser mais saudável em um estudo do que em outro, a faixa etária dos pacientes pode variar de estudo para estudo, entre outros fatores que podem influenciar para que o efeito do tratamento seja diferente entre os estudos.
Quando essa diferença entre os grupos acontece, ou seja, quando a variabilidade entre os estudos não é apenas aleatória, dizemos que os estudos são heterogêneos. Na presença de heterogeneidade outras técnicas de metanálise (como subgrupos e meta- regressão) podem ser consideradas para explicar a variabilidade entre os grupos. Contudo, estes tipos de análise requerem um número grande de estudos. Quando não for possível contar com tantos estudos, o modelo de efeitos aleatórios é o recomendado, como visto nos tópicos acima14.
Desta forma, fica claro que antes da escolha entre modelo de efeitos fixos e modelo de efeitos aleatórios a avaliação da heterogeneidade tem papel importante nessa escolha. As maneiras mais utilizadas de se verificar a existência de heterogeneidade em metanálises são pelo teste Q de Cochran e pela estatística I² de Higgins e Thompson3.
- Teste Q de Cochran
O teste Q de Cochran apresenta como hipótese nula a afirmação de que os estudos que compõem a metanálise são homogêneos, ou seja, quanto maior o valor de Q mais heterogeneidade. Assim, um problema é que o valor de Q varia entre 0 e infinito. Uma deficiência deste teste é possuir um baixo poder quando o número de estudos que compõem a metanálise é pequeno. Por outro lado, quando o numero de estudos é muito grande, ele pode detectar uma falsa heterogeneidade. Neste teste, também é calculado um p-value, que indica se a heterogeneidade é significativamente, ou não, diferente de zero10.
- Estatística I²
A estatística I², proposta por Higgins e Thompson, é obtida a partir da estatística Q do teste de Cochran e do número de estudos. A estatística I² pode variar de valores negativos até 100%. Quando o valor for negativo ele é igualado a 0. O p-value de I² é equivalente ao p-value de Q2.
Higgins et al. sugerem uma escala em que um valor de I² próximo a 0% indica não heterogeneidade entre os estudos, próximo a 25% indica baixa heterogeneidade, próximo a 50% indica heterogeneidade moderada e próximo a 75% indica alta heterogeneidade entre os estudos2.
Abaixo segue um vídeo sobre nossa aula 04: Modelos de efeitos fixos e aleatórios, Heterogeneidade, Teste Q de Cochran e Estatística I²
Espero que gostem. :)
- Referências
1. Sackett, D. L., Rosenberg, W. M. C., Gray, J. A. M., Haynes, R. B. & Richardson, W. S. Evidence based medicine: what it is and what it isn’t -- Sackett et al. 312 (7023): 71 -- bmj.com. BMJ (1996).
2. Rodrigues, C. L. & Ziegelmann, P. K. Metanálise: Um Guia Prático Meta-Analysis: a Practical Guide. Clin. Biomed. Res. (2010).
3. Santos, E. J. F. dos & Cunha, M. Interpretação Crítica Dos Resultados Estatísticos De Uma Meta-Análise?: Estratégias Metodológicas Critical Interpretation of Statistical Results of a Meta-Analysis?: Methodological Strategies. Millenium (2013).
4. Simpson, R. J. S. & Pearson, K. Report on certain enteric fever inoculation statistics. Br. Med. J. (1904). doi:10.1136/bmj.2.2288.1243
5. Glass, G. V. Primary, Secondary, and Meta-Analysis of Research. Educ. Res. (1976). doi:10.2307/1174772
6. Vaudreuil, N. J., Rothrauff, B. B., de Sa, D. & Musahl, V. The Pivot Shift: Current Experimental Methodology and Clinical Utility for Anterior Cruciate Ligament Rupture and Associated Injury. Current Reviews in Musculoskeletal Medicine (2019). doi:10.1007/s12178-019-09529-7
7. Fletcher, R. H., Fletcher, S. W. & Wagner, E. H. Epidemiologia clínica: elementos essenciais. in Epidemiologia clínica: elementos essenciais 281 (1996).
8. Hefti, E., Müller, W., Jakob, R. P. & Stäubli, H. U. Evaluation of knee ligament injuries with the IKDC form. Knee Surgery, Sport. Traumatol. Arthrosc. (1993). doi:10.1007/BF01560215
9. Silva, E., Coutinho, F. & Marcelo, G. Conceitos básicos de epidemiologia e estatística para a leitura de ensaios clínicos controlados Basic concepts in epidemiology and statistics for reading controlled clinical trials. Rev Bras Psiquiatr (2005).
10. Borenstein, M., Hedges, L. V, Higgins, J. P. T. & Rothstein, H. R. Introduction to meta-analysis. (John Wiley & Sons, 2011).
11. Lanska, D. J. Epidemiology and Biostatistics: An Introduction to Clinical Research. JAMA (2010). doi:10.1001/jama.2010.604
12. Jekel, J. F., Katz, D. L. & Elmore, J. G. Epidemiology, Biostatistics, and Preventive Medicine. In Pract. (2001).
13. Lau, J., Ioannidis, J. P. A. & Schmid, C. H. Summing up evidence: One answer is not always enough. Lancet(1998). doi:10.1016/S0140-6736(97)08468-7
14. Roever, L. Compreendendo os estudos de metanálise na pesquisa clínica. Rev Soc Bras Clin Med (2016).
Links:
Download do Script para o RStudio
Download da Planilha do Exemplo 1 (teste X)
Download da Planilha do Exemplo 2 (score W)
Download dos principais comandos de edição do Forest Plot no Rstudio
Artigo na Acta Ortopédica:
Links das Aulas:
Aula 02 - Variáveis (exemplos práticos)
Aula 03 - Intervalo de Confiança (IC), p-value e nível de significância
Aula 08 - Metanalisando estudos expressos como Diferença de Médias (MD)
Aula 09 - Criando o Forest Plot
Para mais informações navegue em nosso Blog, entre em Contato.